22/06/2009

A mulher linda e sensual
Mulher bonita há muitas. Mulher linda é raro.
A mulher linda só sofre menos que outro tipo de mulher: a sensual. Fora daí, pena mais que todas as outras. O sofrimento da beleza pertence, porém, aos problemas da felicidade, que são muito melhores que os problemas da infelicidade, porém ingentes e dolorosos. Há problemas da felicidade tão dolorosos quanto problemas da infelicidade. A natureza do problema difere, não a sua intensidade.
Vejo a mulher linda chegar a uma reunião. Já todos se modificam. Ninguém é natural diante de uma mulher bonita (eu chego a me esconder). É como o homem de carisma: raros conseguem naturalidade diante dele. Não é fácil passar a vida inteira recebendo o amor que não se quer, elogios de que não se precisa, a ponto de com eles se acostumar e não conseguir sem eles viver. Esta é a sina dolorosa da felicidade de ser bela.
Quando a linda mulher se aproxima, todos se põem em quarda, ninguém permanece o mesmo, até o assunto muda. O ar chega a parar, inveja, paixão, medo, hostilidde, admiração, temor, comparações, reverência, ciúmes, deslumbramento. Todos respiram de modo diferente e não conversam: tratam de se recuperar do pasmo causado. O "aleijão" da beleza machuca tanto quanto o da feiúra...
Vejo-a sabendo-se centro dos olhares. Não há como não a admirar: desenvolveu a capacidade das mulheres bonitar de olhar pra todos os lados sem fixar ninguém. Não pode. Um segundo de vacilação e todos confundirão suas intenções.
Não é fácil viver assim. Penso na sua preocupação por saber que onde for, com quem falar ou o que fizer, sempre, em todos os lugares, sem descanso, estará sendo procurada, cantada, seduzida. Talvez não consiga o amor do homem que ama, por medo dele, de se unir a quem viverá sendo tentada e testada, dia e noite, sempre.Inverto a situção, perguntando-me: eu aguentaria passar a vida sendo cantado?
É suportável a tentação de ser querido por pessoas altamente sedutoras? Dá pra aguentar? Como será a cabecinha de quem vive sendo cantada, admirada, procurada, cortejada?
A um se resiste, mas a mil? Só a mulher sensual sofre mais que a mulher linda.
A sensual ameaça ainda mais globalmente. Digo mulher sensual para caracterizar quem tem a sensualidade como dominante e não a beleza (beleza demais quase sempre abafa a sensualidade aparente). Digo mulher sensual para caracterizar a que age sensualmente, a que é vítima e deusa da função sexual. Só esta sofre mais. Da sensualidade até os homens fogem. Temem-na muito mais que a beleza.
A mulher linda pode passar a vida sendo procurada.
A sensual passa a vida procurando. Em compensação, quando (se) encontra a plenitude, talvez seja a mais fiel de todas. A mulher linda é escolhida e a sensual escolhe.
A mulher sensual sofre de solidão. Todos a temem. E os sistemas a condenam, marginalizam, apedrejam. A beleza, de certa forma, acomoda-se aos sistemas. Símbolo do que há de bom, superior, luxuoso, a beleza acaba em mãos das classes dominantes, até porque estas são mais finas, puderam se aprimorar, têm "bom gosto", precisam conviver com o belo, harmônico, suave, padrão (burguês) de valor estético. A mulher linda acaba por se proteger junto ao poder. Ele a envolve e a preserva das próprias buscas. Protege-a, em vez de ela mesma se cuidar. Por isso as lindas morrem tristes.
A mulher sensual nem essa possibilidade tem. Quando o poder a procura, é na situação de outra ou de relação hedonista, jamais se entrega, compreensão e amor. Sofre mais. Ameaça sempre.
E em geral não se conforma de ser colhida. Atira-se a colher. Sofre durante a procura. Realiza-se no encontro.A mulher linda, porém, sofre de modo diferente. Não é marginal ao poder. Vive no centro dele: envidraçada. Foi (es)colhida e nem sempre tem como se libertar. Sofre por jamais ter espontaneidade e por temer conseguir as coisas por causa da beleza e não dos seus méritos. É-lhe negado até o reconhecimento mínimo de ser inteligente, possuir valor próprio, saber fazer as coisas. Não lhe é perdoado o mínimo desvio. Sente os demais à espreita de cobrar um preço existencial a mais pelo pecado e ofensa de ser tão acima da média, tão assustadoramente bela. Mas com tudo isso, penando o que só ela sabe, perguntem-lhe se prefere ser menos bonita. Ou se aceita envelhecer...
Artur da Távola

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